sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Mais um cheirinho


Começo por dizer que não vejo a actividade da prostituição como algo indesejável. Não vejo porque é errado vender sexo e não o é vender o corpo de outras formas - desde campanhas fotográficas mais ou menos eróticas, passando pelo desporto, acabando no trabalho braçal como o da construção - com igual ou inferior nível de empenho intelectual.

Sem esforço, qualquer um consegue enumerar uma série de situações onde ocorre esta mesma troca de "qualquer coisa por sexo". Isso acontece em todas as relações. E acontece da forma mais natural. Gosto de fazer paralelismos entre diferentes áreas, e existe uma máxima na economia que se aplica ao sexo: "não há almoços grátis". E isto pode ser interpretado de duas maneiras:


  • A primeira é que o preço da opção que tomamos é igual ao preço da melhor opção que deixámos de tomar para tomar a que tomámos. Isto é, para fazermos algo, mesmo que gratuíto, temos que abdicar de outras opções. Esse é o seu preço.

  • A segunda, e a que aqui aplico, é uma variância da primeira. Não conseguimos obter nada sem dar algo em troca - tempo, trabalho, dinheiro, etc. Para recebermos dinheiro temos que oferecer trabalho; para recebermos serviços temos que dar dinheiro; para recebermos confiança temos que dar provas; para recebermos sexo temos que convencer o parceiro de qualquer forma. Seja pagando, seja amando. E por pagar entendo o pagamento directo (prostituição), o alimentar de desejos materiais (oferecer presentes, jantares, etc) ou o assegurar de subsistência para a vida (casamento). Existem dois tipos de sexo, o consentido e o forçado. E pagamos ambos. O segundo com a honra, a consciência ou a liberdade; o primeiro das mais variadas formas (umas mais sublimes que outras). Ninguém consente em dar algo, muito menos o corpo, sem receber nada em troca, nem que seja amor.

Não acho que seja imoral, que seja uma perda de valores (porque nunca existiram), diminuidor para a mulher ou sequer errado. É uma opção que deve ser livre. Posto isto, e pedindo a alguém que me explique porque razão há-de ser éticamente errada a prestação de serviços sexuais, dou então as minhas razões para a legalização.
Dá-las é repeti-las, sintetizo-as da mesma forma que o Tiago: saúde, segurança, pudor e controlo fiscal.

Legalizar é criar todo um conjunto de leis que permitam ter o conhecimento e a capacidade de regular a actividade. Neste momento o que existe é um vazio. A prostituição está "excluída" da legislação. É proíbido, ponto, não se fala mais nisso. O que eu entendo é que se devem criar as condições para condicionar esta actividade que vejo como legítima. Ao contrário de outros assuntos em que sinto, claramente, que existe algo errado, atentam contra a integridade humana, com a prostituição não acontece isso. Na questão da liberalização das drogas, da legalização do aborto, por exemplo, não concebo que se ceda. As drogas afectam, evidentemente, quem as consome ou mesmo quem está por perto. O Aborto interfere com a própria vida. A questão da prostituição é uma questão muito subjectiva. Tão subjectiva quanto o conceito de dignidade ou intimidade. São construções culturais e como tal só se aplicam na medida em que as aceitamos. O que é verdade aqui não o é na China, o que para mim é razoável não o é para o Tiago, o que era comum ontem é inpensável hoje.

Para mim, ao legalizar estamos a dizer: pode-se exercer ou solicitar esta actividade nestas xis condições.

E essas condições têm que ser muito, muito restritivas. E têm que o ser porque a prostituição é uma actividade de risco e a sua validade não é consesual.

Assim, primeiro teria que se tirar a prostituição das ruas, o que permite situar o problema(?), afastar o (triste) espectáculo de quem não o quer ver, e melhorar as condições de segurança.

Em segundo lugar todos os profissionais da actividade teriam que estar registados e seriam obrigados a controlos regulares de saúde. A distribuição de preservativos, não só para a prostituição, mas de um modo generalizado, deveria ser gratuíta e facilitada.

Do ponto de vista da segurança, passava a vítima de violência, fisíca ou psicológica, a ter os seus direitos salvaguardados. É, como já se disse aqui, imperativo acabar com a figura do proxeneta (que é o termo correcto para o calão "chulo").

Por último a actividade passava a ser alvo de colecção fiscal, o que garante a justiça relativamente às restantes profissões.

Em poucas palavras é difícil dar uma opinião completa, mas tentei ser mais breve para não se tornar maçudo. Relanço a discussão com mais um ponto:
É óbvio que este tipo de problemas culturais/educacionais/civilizacionais, e outros que tais, não se podem compartimentar e analisar sem ter em vista toda a conjuntura histórico-social que os envolve e, nessa prespectiva, pergunto, será que uma efectiva educação sexual não teria um papel determinante no sanar desta problemática?

5 comentários:

Jorge Batista disse...

É uma questão que não consigo tomar posição concreta, dada a complexidade que a legalização da actividade da prostituição envolve.

Não defendo que devamos fechar os olhos a um dos maiores problemas sociais da actualidade, mas é algo que está tão entranhado na nossa sociedade, como desde sempre está, que para o desmascarar ter-se-ia de combater toda a máfia e interesses que englobam todo o tráfico e exploração humana por detrás do fenómeno da prostituição.

Medidas para o fazer? Não as tenho. Talvez algumas das medidas que enumeraste tenham sucesso para se atingir esse objectivo. No entanto, tenho algum receio que também algumas delas incentivem ainda mais ao recorrer a essa nova profissão e ao consequente aumento dessa actividade e de todo o tipo de negócios, essencialmente nocturnos, que cresceriam cada vez mais em seu torno. A(s) cidade(s), aos nossos olhos, pareceriam mais "limpas" de facto, mas, no fundo e na obscuridade dos estabelecimentos criados para a prática da prostituição, seria cada vez um negócio cada vez mais concorrido, com mais oferta e mais procura.

Também não sei se medidas ainda mais drásticas ajudariam alguma coisa. Talvez sim. É um drama que não acredito que seja resolvido, nem metade, nos próximos anos ou décadas, dado o seu envolvimento histórico-cultural no quotidiano urbano.
É um assunto, portanto, a merecer forte debate, preocupação e consequente participação da nossa parte no intuito de tentar ajudar que este flagelo comece, aos poucos, a desaparecer... até à sua tão esperada erradicação.

Grande Abraço.

Anónimo disse...

Começo por pedir desculpa por não ir comentar propriamente o conteudo do post, mas isso fica pra outra oportonidade. Queria apenas deixar uma pequena nota, é uma pena que neste blogue, onde se tenta discutir todo o tipo de assuntos apenas se relevem os posts do Tiago Mendonça e não os de todos os autores.
Façam um esforço para ir ao encontro dos conteudos dos posts em vez de procurarem apenas quem os escreve.

Tiago Mendonça disse...

Concordo. Uma mensagem de natal tem 34 comentários. Um post, talvez o mais discutível e o que merece maior debate de ideias é apenas comentado pelo Jorge, ou seja um dos autores do blogue. Uma tristeza absoluta, mal eu deixo de postar deixa de existir comentários. Eu digo tenho um link do site da ONU tudo comenta. O luís faz este excelente post e muito aprofundado e ninguém vem debate-lo. Eu fiz um post introdutório e caiu o carmo e a trindade, com críticas em toda a linha. Este aprofunda-o e 0. Concordo absolutamente consigo. O normal, seria este post ter agora 50 ou 60 comentários e espero que este comentário desperte os leitores para isso. Mas atenção : Para o seu conteúdo e não para tecerem opinião sobre este meu comentário. Não há aqui vedetas. Como já disseram e bem noutro post, existem aqui 4 pessoas de igual valor no que respeita à escrita. Todas contribuem com excelentes posts. Todos devem ser comentados e participados. Assim nem dá gosto.

Obrigado pelo seu comentário.

Luís Guerreiro disse...

Jorge,

atenção, eu acho que a prostituição tem toda a legitimidade. Deve existir: não acho errado, existe procura e oferta. Agora, não nestas condições deploráveis. Deve acontecer longe da vista dos que não a aceitam, sim, a fim de não ferir susceptibilidades, tal como - conforme previsto na legislação - toda a prática sexual.

Os problemas de violência, abusos, tráfico (de droga ou pessoas), saúde, etc, seriam, estou certo, de muito mais fácil controlo.

Anónimo disse...

Bom, só para não dizerem que só comento para atacar, e que só comento os posts do Tiago (apesar de ter toda a legitimidade para o fazer, pois eu apenas comento aquilo que me apetecer quando me apetecer; é esta a magia dos blogs!) etc., etc., vou deixar aqui a minha pequena contribuição.

Antes de mais devo dar os parabéns ao Luís, que finalmente provou que o seu cérebro consegue ter mais rendimento do que taxa fotossintética de uma ervilha congelada! É bom ver pessoal a pensar pela própria cabeça em vez de se render a argumentos de propaganda e a opiniões descartáveis.

Depois devo dizer que esta questão da legalização da prostituição é para mim um bocado uma falsa questão, assim como achei que a do aborto o era (embora seja diferente), e por isso tenho tendência a ser um pouco cínico no que toca a este assunto. Primeiro porque concordo perfeitamente com o Luís, a prostituição existe porque existe procura e nem todas as mulheres (ou homens embora sejam mais raros) se importam de se submeter a 5 minutos de penetração sexual em troca de uma certa quantidade de dinheiro. Logo aqui se esconde o primeiro falso paradigma de que as mulheres apenas vão para a prostituição se forem arrastadas por dificuldades económicas. Há uma estatística que saiu há uns tempos na cosmopolitan que dizia que o número médio anual de parceiros sexuais diferentes da mulheres nos EUA era à volta de 40!!! Até eu fiquei espantado, mas se é assim então porque não ganhar uns trocos enquanto e divertem!? Efectivamente, há muita (e perdoem-me a expressão) puta fina em Lisboa.

Depois, isto não é necessariamente imoral, e aqui novamente concordo com o Luís. Todos nós damos o corpo em troca de alguma coisa, nem que seja amor. E para explorar um bocadinho mais isto, vou perguntar de forma retórica ao Luís se ele sabe de onde vem esse conceito. Pois trato já de responder, vem de uma área pouco suspeita que se chama de sociobiologia! Efectivamente o que os estudos desta área concluíram foi que na natureza (não qual nós nos incluímos) ninguém faz nada de borla. As formiguitas que morrem em defesa da sua colónia fazem-no em nome de os seus genes serem transmitidos na figura das suas irmãs formigas que fazem parte da mesma colónia. É por isso que as mães protegem os filhos acima de tudo, pois afinal de conta são os seus próprios genes em perigo. Mas sim, concordo, uma coisa são formigas, outra coisa são pessoas. Então remato com um estudo feito sobre a monogamia em animais (nos quais nós nos incluímos) e que chegou à conclusão que a única razão porque as pessoas formam laços monogâmicos estáveis foi para garantir a ocorrência de sexo! Pois é, no fundo, em termos biológicos, nós gostamos da nossa namorada porque ela representa sexo fácil e garantido. É tramado mas é a realidade. Por isso, não há efectivamente nada de imoral em vender sexo, e como tal acho que é mesmo só uma questão social que impede a legalização. Acho que é uma falsa questão moral mantida por uma mentalidade católica ainda bastante enraizada na nossa sociedade. Tudo o que envolva sexo é tabu, tudo o que advenha do sexo deve ser ignorado para não ser estimulado. É assim com a questão dos preservativos, com a educação sexual, e também com a questão do aborto (é só um exemplo, não vamos tornar isto numa discussão sobre o aborto). Só que esta argumentação esquece o óbvio, que é não se consegue lutar contra a biologia!

Por outro lado, também acho que não é a legalização que vai impedir as prostitutas de beira da estrada, porque novamente elas estão lá porque há mercado. São um produto barato, discreto e anónimo, porque novamente por causa do tal tabu, ninguém gosta de admitir que recorre aos serviços das prostitutas. Ou seja, legalizar resolver alguns problemas, mas o tal grande problema social da prostituição clandestina só é ultrapassado com uma mudança de mentalidades e aí a tendência é para a liberalização, e não apenas a legalização. Pode ser uma perspectiva desconfortável para os mais puritanos, mas novamente é esta a realidade.