segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Portugal: para nosso bem, a formar chicos-espertos desde 1143




Cada vez sinto mais que estamos entregues à bicharada. É cada um por si, tudo a ver quem faz a pior e se escapa melhor. O maior deles todos é aquele que enganar mais palermas (leia-se, "não-chicos-espertos"). Aquele que, por cima de tudo e todos, faz a sua à sua maneira e, zucas, põe-se na alheta antes que venha chatice. Se a chatice vier, disfarça, assobia para o lado, acusa o amigo, rodeia-se de outros chicos-espertos que o livrem desta. E se não resultar? Há-de sempre resultar, porque esta condição de que vos falo tem um preço. E o preço está acessível a qualquer um (qualquer um... Chico-esperto, entenda-se). Li uma vez e guardei a ideia: não sei o que será pior, toda a gente ter um preço, ou o preço ser tão baixo.
E o problema dos palermas, para além de serem palermas, é mesmo esse, é serem fracos. Cedem, deixam-se contagiar. O chico-espertismo pungente destas criaturas arrasta-os. E, covenhamos, o preço pode ser apelativo.

E os outros?, perguntaria um daqueles tais palermas mais incorroptíveis. Pois sujeita-se a que lhe vociferem um desavindo «Os outros que se lixem! Nunca se preocuparam comigo, porque é que me havia de preocupar com eles? Mais, no fundo o mundo está em dívida para comigo. Tenho direito a muito mais do que aquilo que tenho. Tratem de mo providenciar. Ou nem se dêem à fadiga, eu cá me arranjo. Por mais trabalho que dê sempre é melhor que trabalhar.»

E agora pergunto eu, até que ponto será isto mau? Esta competitividade. Esta vontade de ter mais e melhor.
No fundo, para a maioria das pessoas, é isso que conta. É isso que queremos para nós e é com esses que nos gostamos de rodear.

Diria que não sei até que ponto. Sou capaz de aplicar uma espécie de darwinismo à sociedade humana. Ou seja, uma espécie de selecção natural, a sobrevivência do mais forte, do gene mais forte. Costumo dizer que normalmente as pessoas que chegam atrasadas são muito mais felizes do que aquelas que têm que esperar por elas, e estou em crer que o mesmo se aplica a este caso. Isto é, as pessoas que enganam, normalmente, são muito mais felizes do que aquelas que se deixam enganar por elas (de La Palice não diria melhor). Ou pelo menos com o nosso sistema de justiça. E, tendo em conta que, por exemplo, o contacto de alguns animais com o frio os fez desenvolver protecções como o revestimento pelo pêlo ou camadas extra de gordura, talvez este contacto com o chico-espertismo nos faculte defesas e "anti-corpos". Milhares de anos depois do primeiro chico-esperto, estamos, certamente, mais difíceis de enganar.

Assim, se hoje olhamos para o governo e conseguimos ver quando nos tenta passar a perna, e gritamos em uníssono "na Ota, jamais!" (pronuncia-se jamé), ou não conseguimos dar grande valor às conquistas de um clube liderado por Pinto da Costa, ou não conseguimos mostar muito receio pelas armas de destruição maciça que guarda o Iraque, talvez o devamos agradecer a todos os que nos passam à frente nas filas, nos dão o troco errado todos os dias, nos roubam o lugar enquanto pomos a marcha-a-trás, a todos os gatunos e larápios, mal-feitores e charlatões.

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